terça-feira, 27 de abril de 2010

Comemore: você está certo!

Comemore: você está certo!
Enéias Teles Borges


Comemore pois você está certo! Você é um felizardo por estar certo! Esteve no lugar e hora certos! Celebre essa conquista pois você está certo! Durante muito tempo eu comemorei, com razão, o fato de estar certo. Julgava-me uma pessoa abençoada por ter nascido no lar certo, no país certo e na religião certa! Nasci certo, que maravilha!

Não importa a sua denominação religiosa, não importa a sua fé, não importa o seu deus: você está certo! Seu deus não permitiria que você nascesse, vivesse e morresse no erro. Ele não faria tamanha maldade! Viva e comemore, pois você está certo! Não importa se você é muçulmano, judeu, cristão ou de qualquer conglomerado religioso ocidental ou oriental: você está certo! Seu deus mostrou, pelos profetas e santos, que você é o remanescente, que você faz parte do povo escolhido, não tema e não trema: você está certo!

Desde cedo você aprendeu que tem a verdade e que os outros têm o erro. Claro que você está com a verdade! Como você é estudioso e analisou todas as possibilidades de fé e ainda continua no mesmo lugar a conclusão é simples: você continua no mesmo lugar simplesmente porque está certo!

E você, cristão brasileiro, comemore em alto e bom som! Não importa sua denominação. Não importa se é católico, protestante, pentecostal (...), você está coberto de razão! O deus que lhe mostrou o caminho, via profetas e santos, jamais permitiria que você ficasse na igreja errada! Você está certo!

Todos os demais são filhos das trevas e você é filho da luz. Você está certo! Claro que está certo, como não? Tudo mostra que você está certo e que você deve ficar onde sempre esteve: no lugar certo!

Essa é a grande contradição da fé coletiva: muitos pensam de forma diferente. São muitos os grupos de fé e todos se julgam o remanescente. Todos se julgam certos! Todos dizem que deus mostrou o caminho! Todos dizem que deus não permitiria que ficassem no erro...

Então vibre, emocione-se, esbalde-se e chore de alegria! Não importa qual a sua fé! Comemore: você está certo!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Religiosidade e cultura religiosa

Tenho detectado resistência de muitos, quando diferencio religião de cultura religiosa. Produzi um texto com esse tema (Religião ou Cultura Religiosa?). Recomendo a leitura daquela postagem que será incrementada com o que digitarei adiante.

Para entender religião, em especial o Cristianismo, precisaremos nos ater a três verbos: garantir, acreditar e doutrinar.

Uma religião ou segmento religioso precisa GARANTIR a salvação aos fiéis. O objetivo principal da membresia é, de fato, a salvação ou, em outras palavras, a migração desse mundo finito e tenebroso para o mundo eterno e maravilhoso. A religião, portanto, garante aos fiéis a salvação e tal salvação remete ao segundo verbo.

Uma religião ou segmento religioso precisa ACREDITAR naquilo que difunde. Estamos falando de um credo. Cada grupo religioso tem um credo diferenciado e é nessa divergência de credos que encontramos a explicação para o número imenso de segmentos que se arvoram à condição de únicos portadores da “verdade verdadeira”. A religião, evidentemente, GARANTE a salvação, mas é necessário que se ACREDITE no credo proposto. O credo é o caminho para a graça, que no caso do Cristianismo é oriunda de Jesus e dos seus méritos (justiça imputada). Do exercício dos dois verbos, garantir e acreditar, nós somos remetidos ao terceiro verbo.

Uma religião ou segmento religioso, que GARANTE e que ACREDITA, não pode guardar apenas para seus membros as “boas novas de salvação”. Não basta garantir a salvação aos que acreditam. Novos prosélitos precisam ser captados. O verdadeiro fiel religioso GARANTE, ACREDITA e DOUTRINA. A membresia convicta da garantia da salvação, por acreditar no credo, vê-se impelida a doutrinar. Chamam o doutrinamento de obras da fé (frutos do espírito ou o realizar de Cristo nos atos humanos – isso no Cristianismo). É o trabalho incessante do que tem a garantia da salvação, por acreditar na mensagem que abraçou e que se sente no dever de doutrinar aqueles (muitos) que “estão nas trevas”. Todo aquele que não compartilha do credo é ser humano que precisa ser resgatado do “império da maldade”.

Depois do entendimento do que é religião (na prática), entendimento esse que compreende a convicção e o conhecimento do credo e de tudo o mais que a tradição daquele contexto religioso produziu, é possível, facilmente, diferenciar “religião” de “cultura religiosa”. Como? De forma bem simples: acima ficou claro como funciona a prática no mundo da religião. Na cultura religiosa não é possível conjugar de forma eficiente aqueles três verbos. Melhor dizendo: não é possível viver tais verbos. O religioso crê porque conhece e por conhecer é que garante a salvação. Por conhecer e crer no credo difunde, de forma consistente, a história do seu segmento religioso (a começar da criação humana até a glorificação no outro mundo – aquele mundo eterno).

O que possui tão somente a cultura religiosa não garante, porque não conhece o credo e por não conhecer o credo, como seria possível doutrinar? Em resumo o que se pode dizer é cristalino e, portanto, de fácil entendimento. O religioso é um convicto, pois sua crença está sedimentada no conhecimento e na fé que advém de tal conhecimento. Aquele que possui a cultura religiosa é um alienado, que só está ali por circunstâncias da vida. Está ali porque foi colocado. Nunca entrou, pois sempre esteve ou, melhor dizendo, nasceu no contexto. Nada pesquisou, nada sabe. Porta-se como papagaio da fé que segue, a vida inteira, difundindo, de forma fugaz, uma luz que imagina possuir.

É claro que um ferrenho seguidor da cultura religiosa poderá se transformar num ferrenho religioso. Basta que ele entenda (na essência) os verbos garantir, acreditar e doutrinar.

Enéias Teles Borges

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Saudades de minha inocência

Saudades de minha inocência
Enéias Teles Borges


Houve um período, em minha vida, que deve ser considerado tempo de inocência. Eu acreditava no que me diziam com muita facilidade. A ausência de malícia não me tornava um bitolado (não me fechava para novas ideias). Eu acreditava porque era razoável crer. Por que não acreditar no que me diziam, se eu cria na bondade e na capacidade das pessoas em minha volta? O pressuposto era bem simples: os seres do bem, disseminam coisas do bem. Ponto! Eu confiava nas pessoas e, por nelas confiar, eu acreditava em tudo o que diziam.

As lições, que a vida me trouxe, ensinaram-me a confiar desconfiando. Mesmo confiando nos indivíduos não seria possível acreditar, sempre, no que eles diziam. Eles até poderiam agir com boas intenções, mas isso não queria dizer que estivessem certos, simplesmente porque eram confiáveis. A vida ficou amara. Passei a ter um permanente “nó na garganta”. Percebi que as pessoas quase sempre não mereciam confiança. E mais: mesmo quando confiáveis, nem sempre se serviam de fontes fidedignas, quando difundiam suas convicções. Não é fácil! Acreditar faz bem, mas nem sempre aquilo que parece bom o é, em sua essência. Por essa e por outras, eu concluí, que é impossível viver, hoje, sem sentir saudades dos tempos de inocência.

Depois de tudo isso as paisagens da vida continuaram as mesmas, mas já não eram vistas com os mesmos olhos (os saudosos olhos da inocência). Alguém poderia dizer: “faz parte do amadurecimento humano. Você pensava como menino e, agora que cresceu, deixou de pensar como menino...” Parece simples, mas não é bem assim. Seria até bom se assim fosse, mas por que eu haveria de me enganar? A expressão saudades da inocência tem um sentido figurado: é o de sentir saudades de um tempo em que era normal confiar sem questionar. Nos “tempos de hoje” é imperdoável, confiar sem questionar. A realidade não permite mais isso. Urge acordar! Não estamos mais nos anos dourados. Não vivemos mais na “ilha da fantasia”. Moramos no terrível mundo do “aqui” e do “agora”. Só nos resta sentir saudades da nossa inocência e ponto final! O mundo real não nos permite realizar sonhos! Não existe o mundo ideal! Esse suposto mundo ideal só há para quem está disposto a acreditar na existência de Papai Noel, do Saci Pererê, de Duendes e afins. Serve sim e, de forma cabal, para os eternos detentores da fé cega e da faca amolada. Para os que querem abrir os olhos para enxergar (ver de verdade) só resta sentir saudades do tempo de inocência. É como sentir saudades de um mundo no qual nunca se viveu...

A grande realidade é essa: quem passa grande parte da vida acreditando que existe um pote de ouro no fim do arco-íris e depois descobre que tal tesouro não existe, tende a suspirar e aceitar a realidade. Aceitando essa realidade, haverá de sentir saudades do tempo no qual ainda não tinha constatado que, no fim do arco-íris, não existe pote de ouro. E mais: nunca existiu! Pois é assim mesmo: depois que constatei que não existe um pote de ouro no fim do arco-íris (por favor – isso é sentido figurado), comecei, desesperadamente a sentir saudades de minha inocência...
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